sábado, fevereiro 19, 2011

Lula, Um Sócio Inesperado no "Clube dos Eleitos"

O Faces da Verdade reproduz aqui texto de Maurício Dias, da Carta Capital

Lula entra no “Clube dos Eleitos” juntamente com 12 advogados, 2 militares, um médico, um economista e um sociólogo

Dentro de alguns dias, o presidente Lula será um ex-presidente. Deixa o poder, após oito anos, com o feito inédito de eleger um sucessor que ele próprio escolheu.

Despede-se com taxas elevadas de desaprovação da mídia e com históricas taxas, em torno de 80%, de aprovação da sociedade. Quem se engana?

Lula, um ex-torneiro mecânico, pernambucano de baixa escolaridade, driblou o provável destino ao escapar do Nordeste para o Sudeste como migrante pau de arara.

Em São Paulo, travou lutas históricas no sindicalismo do ABC paulista, no fim dos anos 1970, e terminou encarcerado, suspeito de ser um perigoso subversivo. Havia uma evidência sólida, uma barba espessa, naquele líder operário que os militares trancafiaram por uns tempos sob aplauso de muitos patrões.

Fundou o Partido dos Trabalhadores. Nome que, supostamente, expressava uma representação de classe. Teve apoio fundamental da Igreja Católica, de movimentos sociais, de intelectuais e de ex-militantes da esquerda armada. Contou, também, com a rejeição quase absoluta do Partido Comunista Brasileiro. O velho partidão que veio a falecer antes mesmo que o Muro de Berlim ruísse, sem conseguir sua principal meta: organizar os liberais para que fizessem a revolução burguesa. Talvez por cacoete, nascido dessa aproximação tática, muitos sobreviventes tornaram-se força auxiliar da direita e, juntos, fizeram de Lula o principal adversário. Pura reação do fracasso. Afinal, ao dar vigor ao capitalismo brasileiro, Lula fez, ao modo dele, o que os comunistas brasileiros tentavam. Há um conteúdo revolucionário nesse processo.

Para entrar no seletivo “Clube de Eleitos” de ex-presidentes, era um concorrente absolutamente improvável. Recebeu “bola preta” dos eleitores por três vezes. Por preconceito, o clube só dava acesso, pelo voto popular, a quem tinha diploma universitário ou espada de general. Quando Lula foi eleito, em 2002, aquele círculo restrito de ex-presidentes, em 103 anos de República, era composto de 12 advogados, dois militares, um médico, um economista e um sociólogo.

Agora o “Clube de Eleitos” terá um torneiro-mecânico como associado, que, mais do que ex-presidente, tornou-se um protagonista brasileiro no século XXI.

Foi esse presidente-operário que tirou muitos milhões da miséria absoluta. Impôs uma política externa altiva para o País e, principalmente, criou um novo parâmetro no processo de desenvolvimento do Brasil: é possível crescer distribuindo renda.

O pior de Lula talvez tenha sido o fim total de algumas ilusões, seguido pelo aprendizado dos truques políticos, naturais do poder, sobre os quais nunca falará publicamente porque, em geral, nos horroriza. Mas foi isso, certamente, que surpreendeu os adversários: esperavam que o presidente “chutasse o balde” e perdesse o controle da base de apoio na sociedade que o elegeu e no Congresso também escolhido pela sociedade.

Em 2005, durante o episódio conhecido como “mensalão”, resistiu ao “golpe branco” tramado pela oposição e armado em dois lances: o impeachment fracassado, seguido de igual fracasso da pressão persuasória para fazê-lo desistir do segundo mandato.

Lula não se rendeu à principal perversão do poder: o continuísmo além da regra. Há evidências, ainda agora, dos momentos de ambigüidade que viveu: sair ou ficar?

Superar a vontade de continuar dá a dimensão humana da decisão que tomou.

O Império PiG* Contra um Operário

"Eles vão ter que me engolir !"


O Faces da Verdade reproduz texto de Maurício Dias, da Carta Capital, também publicado pelo Conversa Afiada do Paulo Henrique Amorim.


A mídia, Globo na frente, não dá trégua ao ex-presidente. Por Mauricio Dias

Nunca foram boas as relações entre a mídia brasileira e o torneiro mecânico Lula, desde que, nos anos 1970, ele emergiu no comando das jornadas sindicais no ABC paulista, onde estão algumas das empresas do moderno, mas ainda incipiente capitalismo brasileiro. Em conseqüência, quase natural, o operário não foi recebido com entusiasmo quando, após três fracassos, venceu a disputa para a Presidência da República, em 2002.

Os desentendimentos se sucederam entre o novo governo e o chamado “quarto poder” e culminaram com a crise de 2005 quando televisões, jornais, rádios e revistas viraram porta-vozes da oposição que se esforçava para apear Lula do poder. Inicialmente, com a tentativa de impeachment. Posteriormente, após esse processo que não chegou a se consumar, armou-se um “golpe branco” em forma de pressão para o presidente desistir da reeleição, em 2006.

Lula ganhou e, em 2010, fez o sucessor. No caso, sucessora. Dilma Rousseff sofreu quase todos os tipos de constrangimentos políticos. Ela tomou posse e, no dia seguinte, foi saudada por deselegante manchete do jornal O Globo, do Rio de Janeiro: “Lula elege Dilma e aliados preparam sua volta em 2014”.

A reportagem era um blefe político. Uma “cascata” no jargão jornalístico. O jornal O Globo, núcleo do império da família Marinho, tornou-se a ponta de lança da reação conservadora da mídia e adotou, desde a posse de Lula, um jornalismo de combate onde a maior vítima, como sempre ocorre nesses casos, é o fato. Sem o fato abre-se uma avenida para suspeitas versões.

O comportamento inicial da presidenta, marcado por discrição e austeridade, foi uma surpresa para todos. O Globo inclusive. Não há sinais de que seja uma capitulação ao poder dos donos da mídia com os quais Dilma tem travado discretos diálogos. Armou-se circunstancialmente um clima de armistício. Na prática, significou um fogo mais brando, a provocar um visível recuo de comentaristas que eram mais agressivos com Lula. Soltam, porém, elogios hesitantes por não saberem até onde poderão seguir.

Esse armistício se sustenta numa visão de que as situações não são iguais. Dilma não é Lula. É claro que há diferenças entre o governo de ontem e o de hoje. No entanto, o carimbo pessoal da presidenta na administração do País faz a imprensa engolir a propaganda de que ela era um “poste”. Essa contradição se aguça na sequência dessa história. Dilma passou a ser elogiada e Lula criticado.

Alguns casos, colhidos da primeira página de O Globo ao longo de uma semana, expressam o que ocorre, em geral, em toda a mídia:

Atos de Dilma afastam governo do estilo Lula (6/2) – críticas ao ex no elogio ao governo Dilma.

Por qué no te callas? (8/2) – crítica atribuída a um sindicalista, mantido no anonimato, sobre apoio de Lula ao salário mínimo proposto por Dilma.

A fatura da gastança eleitoral (10/2) – a respeito de despesas do governo Lula com suposta intenção eleitoral.

Dilma aposenta slogan de Lula (11/2) – sobre a frase “Brasil, um país de todos”.

Herança fiscal de Lula limita o começo do governo Dilma – (13/2) – crítica a Lula ao corte no Orçamento proposto por Dilma.

Ela recebe afagos e ele, pedradas. Procura-se, sem muito disfarce, cavar um fosso entre o ex e a presidenta. Situação que levou Lula, na festa de aniversário do PT, a reagir: “Minha relação com Dilma é indissociável”.

(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.